sábado, maio 29, 2010

Eu li Madame Bovary

Transformei alguns livros em ícones, o que deixou mais difícil ainda lê-los, já que ganharam uma aura de especial, de clássico, de difícil. Madame Bovary era um deles e consegui transpô-lo.

No fim, fiquei maravilhado com o livro. Madame Bovary não tem nada a ver com Luísa. Madame Bovary é maldosa, engenhosa, além de se mover pelas paixões, ela tem uma razão nos seus movimentos que deixa Luísa no chinelo. Madame Bovary é capaz de enganar o marido dizendo que vai ter aula de piano em outra cidade para se encontrar com o amante, enquanto Luísa no máximo foge para o Paraíso com Basílio.

Além do mais, Madame Bovary teve dois amantes e ainda fez amor numa charrete! Madame Bovary quis morrer e se matou; continuou enganando Charles desde o túmulo. Luísa, simplesmente morreu louca e careca. Emma foi para o túmulo mais bonita do que quando era viva, mesmo se suicidando com arsênico. Sem contar que Emma não se deixou nem chantagear, nem se prostituir, se suicidou porque estava endividada, claro que tinha remorso, mas não foi só o remorso que a matou, como matou Luísa.

Agora a descrição de Charles é fantástica, talvez ela valha mais do que a da própria Emma. Acho que a grande crítica nem seja o Romantismo em si, mas sim o que leva as pessoas aos ardores Românticos.

No fim, talvez a burguesia portuguesa fosse mais pudica e menos cosmopolita que a francesa (tese bem trabalhada em Os Maias), mesmo que ainda seja este retrato da burguesia francesa seja a de uma burguesia de província. Mas é fantástico como o dinheiro vai entrando em todos os detalhes e como a ausência de comentários pode insinuar uma conduta moral forte.

Foi uma pena ter lido conto do Woody Allen em que ele traz Emma para Nova York antes de ter lido Madame Bovary. Se tivesse feito na sequência certa o conto seria ainda mais engraçado.

O livro merece ser lido, de alguma coisa serviu andar tanto de ônibus.

terça-feira, maio 18, 2010

À Rita Cadillac

Não é lá muito cultural e eu não estava perto do palco, eu só escutei e desconfiei que era ela, depois fiquei sabendo que era mesmo.

De qualquer maneira, deixo a música aí


A praça! A praça é do povo!


Na verdade não foi uma praça, foram várias praças e ruas para vários povos. Um espetáculo de gente. A virada cultural me encanta exatamente por pôr gente em praças e ruas onde não andariam em dias normais. Discute-se se isso é revitalização do centro, não só isso, mas isso também. Como você pode trazer pessoas para o Centro se elas nem o conhecem? Então façamos viradas culturais onde menos as pessoas querem ir de forma a que elas se apropriem da cidade que é delas, e que muitas vezes não reconhecem como delas.

Essa mistura forçada de pessoas do centro expandido, da periferia e dos moradores degradados do centro degradado dá noção de cidade. O rico se espanta com o mendigo e com o suburbano, que por sua vez aproveita uma noite cheia de atividades gratuitas, tangenciando "artes" por ele ainda experimentadas. O rico, se não for demófobo (infelizmente não é só o rico que pode ser demófobo, geralmente as vanguardas também são, principalmente as medianas e medíocres) toma contato com um mundo que não é o dele. E isso gera laço, gera convivência e gera uma adoção do espaço, que só assim pode ser público. E sendo público, a sociedade difusa pode reclamar por seu melhor uso, por ver sua cultura exposta no evento.

Numa entrevista no Estadão de sexta-feira, antes da virada, uma mulher de teatro reclamava do alto valor da festa e que este dinheiro poderia ser investido em atividades (como a dela, claro, a boquinha é cultural) que tivessem duração maior e que por isso, mesmo tendo um público menor, atingiria, segundo ela, níveis tão altos da população. Duvido, a dita mulher despreza o povo que não quer ver o espetáculo dela, quer decidir pelo povo. Aliás, não que isso seja critério para utilização de recursos do Estado, mas nunca uma renúncia fiscal poderia (ou deveria) ser utilizada num espetáculo onde não se busca o público e sim a satisfação do artista. (Nunca a Lei Rouanet poderia ser utilizada para um filme do Godard ou do David Lynch, p.ex.).

Enfim, a festa tem problemas. Tem; até conceituais. A presença dos CEUs deve aumentar, falta o hip hop, que é um elemento cultural importante, que é parte da identidade de grande parte da população que não pode ser punida por causa de um show que não deu certo. Falta a presença de chavões como Calypso ou bandas sertanejas como Bruno e Marrone (alguém vai negá-los como cultura?). Faltam palcos alternativos e outros projetos cujo fim seja apresentar-se na Virada Cultural.

A Virada Cultural é onde a cidade se torna mais cosmopolita, não um cosmopolitismo Zona Oeste, mas um evento que a une em todas suas contradições, um evento com Metrô, CPTM e SPTrans atuando para levar Centro para periferia e trazer a periferia para o Centro.

Agora, por que existem tão poucos patrocinadores privados? Duvido que num evento destes não existam interessados. Será o medo que o privado possa estragar o cultural? Se for esse o medo, a Lei Rouanet já quebrou este paradigma. Será que ainda persiste a confusão entre o estatal e o público? Bem, no mínimo, a festa poderia ter mais recursos (e também há de ter uma compensação financeira pelos estragos que o vinho São Tomé faz na cidade...hehe).

P.S. Está se tornando chato, mas sempre que vejo uma praça com gente eu digo o título.

Área Livre de Crianças


Pode parecer meio intolerante pensar em ambientes livre de crianças, mas eu realmente acho um absurdo que uma pessoa que não gosta de crianças, que não terá filhos, seja obrigado a conviver com crianças. Assim como o não-fumante tem o direito de não ser incomodado pela fumaça do fumante, porque alguém que não gosta de criança tem que agüentar choro, manha, grito, falta de educação de uma criança?

A idéia de uma área livre de crianças não é uma restrição às crianças, é simplesmente fazer valer o direito de quem não ser incomodado por elas. Por exemplo. No caso de viagens de ônibus e aviões, pelo menos um horário é livre de crianças. Os pais podem viajar em todos os outros. Quem não quer viajar com crianças, se não quiser esse contato, limitar-se-á ao horário “livre de crianças”. A mesma coisa com cinemas, teatros, passeios turísticos.

Poria aqui a idéia de uma missa sem crianças; embora o reino dos céus seja para aqueles que como na parábola são como elas, é praticamente impossível transcender com choro e manha. Mas como a Igreja é um lugar de tolerâncias, não faz sentido esta regra. Exatamente por isso que adoro Santa Cecília, porque talvez eu seja a pessoa mais nova ali!

Na verdade, sempre penso nesta coisa de uma área livre de crianças quando viajo. Eu nem acho tão absurdo as atitudes das crianças, mas sim a dos pais, que acham que as outras pessoas têm que entender o show de seus filhos simplesmente porque são crianças. Não, as pessoas não têm que aturar nada, senhores pais, vocês sim têm que educar seus filhos a viver em sociedade. Afinal, a escolha de ter filhos foi dos senhores, não minha, a minha foi exatamente contrária a isso!

Eu realmente acho que é uma coisa a ser pensada. Tenho certeza que se a ANTT ou ANAC permitissem viagens livres de crianças, essas viagens seriam as mais rentáveis. A mesma coisa se um prédio decidisse em condomínio que não fosse permitido crianças.

Quero só deixar claro que não sou nenhum psicopata ou assassino de crianças. Tenho meu sobrinho, ganharei uma sobrinha, gosto de brincar com eles, me emociono quando ele me chama de Tio Renato, acho legal quando um casal decide ter filhos. O que eu não quero é ter meu direito ao silêncio, meu direito ao sono numa viagem ou a prestar atenção num passeio turístico negado porque um pai sem noção de civilidade não consegue controlar seu filho!

É isso, quem sabe um dia essa idéia cresce! Oxalá!

sábado, maio 15, 2010

Ainda assim o transporte público vale a pena

É incrível como existe um condicionamento das pessoas sobre a necessidade de carro. Por mais que eu tenha vindo trabalhar no fim do mundo, racionalmente, é inviável pensar em fazer isso de carro. Não só no aspecto econômico, mas até na questão do tempo.

Economicamente, se eu precisar, num dia de chuva ou de pressa, pegar um táxi, esse valor não chegará ao preço mensalizado do IPVA, do seguro e do estacionamento. Trabalhando no fim do mundo, eu gasto com transporte menos que os 6% de renda que é o limite do vale transporte, isso considerando os deslocamentos que não estão ligados ao trabalho. Acho inadmissível, pelo menos no meu orçamento, gastar 12% da minha renda líquida em transporte, como gastam o segundo e o terceiro tercil de renda da região metropolitana (segundo o DIEESE) para manterem seus carros.

Agora o que me impressiona é a questão do tempo. Quando eu comecei a trabalhar aqui, achava um absurdo tremendo perder uma hora e meia de viagem do centro até aqui. No entanto, conversando com as pessoas que trabalham aqui, às vezes, para deslocamentos mais curtos, as pessoas gastam a mesma quantidade de tempo. Ouço relatos de gente que demora meia hora para atravessar a ponte João Dias! Lanço um desafio, quem consegue fazer, às 7 horas da noite, o trajeto Estação Giovanni Gronchi - Estação Santa Cecília em 1 hora e meia? Pois eu, em média, faço!


Uma das coisas que achava besteira quando trabalhava na CPTM era o fator de impedância do transbordo. Hoje, poria um valor enorme nesta impedância. Realmente, eu fujo de qualquer transferência de meios de transporte, isso cansa, é irritante, mesmo sendo transferências livres como entre a CPTM e o Metrô, ou entre os ônibus.


Logicamente surgirá um questionamento sobre o conforto e a individualidade. Pois bem, eu sou o contrafluxo! Sento em Osasco (operação embarque sentado) e levanto na Estação Giovanni Gronchi. Com os fones de ouvido, é possível ler, dormir ou escutar música.

O resultado é: não importa onde você trabalha, morando no Centro, você está bem e usufrui de transporte público confortável e barato. Basta morar no Centro! Claro que se houvesse a mesma capilaridade de vias, corredores ou outros sistemas, novos lugares seriam tão bons como o centro, assim, a própria descentralização da produção seria acompanhada de uma descentralização de lugares bons para morar, mas aí teríamos o risco de vivermos em Los Angeles. Então, fortaleçamos os centros, isso é o que eu desejo para esta cidade.

A mulher do lado

Num surto consumista acabei comprando uma caixa de filmes do Truffaut, talvez numa tentativa de acabar com ciclo Woody Allen meio que a força. Então veio, A mulher do lado, O último metrô e Um só pecado. Como realmente é legal assistir um filme com história, que foi pensado para você pensar na história, que não é só uma história, mas uma história filmada, onde cada objeto ou música é um elemento importante na forma de contar esta história.

Pois bem, A mulher do lado é um filme sobre um amor que volta. Um casal que teve uma paixão violenta com fim abrupto volta a se encontrar depois de oito anos como vizinhos numa vila, de maneira que não existe outra maneira se não restabelecer o contato. Mas qual o contato? Bem, acho que é isso o que o filme conta.


Achei interessante que se o filme fosse óbvio, a paixão voltaria, mas a vida real e o filme não é bem assim, e aí a forma com que ambos conduzem esta situação muda muito conforme o filme passa e também, na maioria das vezes, não coincide com a que o outro tenta conduzir.

Claro que se estamos falando de paixão, é nesse campo que a coisa vai se desenrolar. O desapaixonar-se é tão interessante quanto o apaixonar, também parte da mesma violência e acho que no filme esse apaixonar-desapaixonar-apaixonar é muito bem explorado. Deve ser uma coisa tão comum essa do filme e eu nunca tinha visto isso num filme.

Fiquei pensando depois do filme que talvez se o Truffaut fosse vivo, teria se tornado um Woody Allen e aí acabei vendo Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.

Comissões de fábrica (e de escritório)

As comissões de fábrica são uma experiência fantástica de democracia real e uma escola para um sindicalismo democrático que participa da vida do trabalhador, sendo bem mais efetivo que a contribuição sindical compulsória e as famigeradas cartinhas denunciando o acordo coletivo.

Comissão não é sindicato, enquanto um cuida de interesses maiores, setoriais, a comissão é o espaço para o debate local, para os problemas da organização onde trabalham. Traz em si uma possibilidade de solidariedade entre os trabalhadores que a tecnologia corrói. Num escritório, onde não existe uma solidariedade bem definida, como numa fábrica, e onde a ilusão de desenvolvimento pessoal e de carreira faz com que o outro trabalhador seja um inimigo potencial ao ilusório caminho inexorável do sucesso; uma comissão de fábrica daria consciência aos colarinhos brancos do seu status proletário, uma vez que os problemas que atingem a um, no que tange à organização, atingem a todos.

No entanto, como pensar num mecanismo tão avançado de participação dos trabalhadores, num quadro onde a comissão já existente, a CIPA, é totalmente dominada pelo Estado, na sua concepção, pelos patrões, na sua constituição e pelo sindicalismo pelego que aí vê uma possibilidade de se manter atuante num quadro de deterioração da imagem dos sindicatos. Também há a questão da estabilidade do cipeiro que seria um fator de segurança para atuação e hoje é um motivo de acomodação aos interesses patronais.

O primeiro passo para esse florescimento de comissões verdadeiramente representativas passa pela total desregulamentação dos sindicatos. A crise destes pode ser comparada à dos partidos; mas, embora os partidos tenham um papel institucional, o sindicato está livre para ser realmente desvinculado do Estado. Se não somos obrigados a sermos filiados a algum partido, por que somos obrigados a sermos sindicalizados? Por que contribuir com sindicados cujos membros desconhecemos e que tomam decisões que não concordamos?

É muito triste pensar que nossos sindicatos foram concebidos e continuam atuando de uma maneira fascista e é por isso que se só aglomeram pessoas através do fausto de um sorteio de apartamento ou de um show sertanejo.

O sindicato livre,que talvez tenha menos dinheiro e trabalhadores, por sua vez, seria fruto de um acordo de trabalhadores, firmado na convivência real do trabalho e pelas comissões de fábrica que seriam a primeira instância para a tomada de consciência de seu papel proletário. Essa experiência sim traria lutas dignas como a luta pela redução da jornada de trabalho de fato, greves legítimas, não somente no setor público onde prejudica somente a vida dos pobres, mas contra o capital, onde esse estiver em desacordo com as reivindicações dos trabalhadores (as vezes eu acredito que sempre estarão em desacordo, mas na maioria das vezes sou socialdemocrata suficiente para acreditar nas conciliação).

Acho que o sindicato livre é meu maior desejo para este Primeiro de Maio.