sábado, junho 27, 2009

Síndrome de Higienópolis

De como se acha um Centro de Cultura Judaica

Depois de três finais de semana seguidos onde todos os meus sábados terminavam de alguma maneira em Higienópolis, não era de se estranhar que eu acabasse este sábado na 2ª mostra de audiovisual israelense do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Acho a construção do Estado de Israel uma das coisas mais fascinantes do século 20, uma verdadeira odisséia. Criou-se um Estado do nada e as questões que são postas a este Estado hoje serão as questões que terão impacto nos nossos Estados num futuro que acredito ser bem próximo.

O filme que assisti chama-se Irmãos, que até parece uma novelinha pela filmagem e linearidade da história. A partir de um tema batido das diferenças entre irmãos acaba mostrando uma novidade interessante. Um dos irmãos vive num kibutz em Israel, que também é uma experiência social fantástica; enquanto o outro é um judeu ortodoxo que vive nos Estados Unidos e volta à Israel para defender o direito dos ortodoxos de não se alistarem no exército.

O cotidiano faz do habitante do kibutz um cidadão israelense enquanto o outro, ao ser judeu nos Estados Unidos se sente um judeu, não um israelense. Assume-se israelense por causa da Lei do Retorno, mas antes de tudo ele é um judeu.

Então do clichê previsível do combate entre os irmãos, surge o grande tema do filme, que é se Israel é um Estado ou um Estado Judeu. E isso tem toda uma diferença na forma de organizar o Estado. O filme acaba chegando a conclusão que o Estado de Israel hoje é um equilíbrio entre estas tendências, e a cada radicalização de um lado, ou de outro, sempre existe o risco de um confronto. Que cada dia se torna mais latente, já que a Lei do Retorno hoje acaba favorecendo os ortodoxos.

A questão torna-se mais séria, afinal a Lei do Retorno implica que o israelense é judeu, mas se ele for só judeu poderíamos ter um novo Irã, mas se for só israelense, é um Estado absurdo, já que a construção de sua identidade de estado calcou-se na sua origem judaica.

O bom é saber que política é processo, e com certeza a forma que Israel resolver isso trará uma luz para questões deste tipo que hoje já se põe em países como a França, onde para alguns os imigrantes acabam eclipsando as características que tornaram a França um Estado.

Bom filme para refletir.

Da platéia e do Centro de Cultura Judaica

O Centro de Cultura Judaica é um lugar maravilhoso. Se não fosse o Guia Folha nem saberia que existia, e que fica ao lado do metrô Sumaré. É um prédio moderno, em concreto aparente, com a máxima segurança. Para assistir o filme tive que passar por um detector de metais.

O engraçado foi como a platéia interagia com o filme o que deu a entender que essa divisão entre seculares e ortodoxos existe também na comunidade judaica daqui. Quando os costumes do ortodoxo o colocavam em situações embaraçosas frente ao mundo normal, a platéia ria muito e achava um absurdo (como por exemplo, numa cena em que ele fica em dúvida se atende ou não atende o celular durante shabat).

E o Irã?

Será que essa onda de protesto também não reflete no Irã essa questão crucial entre o secular e o religioso?

Um caminho para a paz

Escolher o título do que pretendo escrever talvez seja mais difícil do que o que vou escrever. Assim como no começo do mês escrevi sobre uma série de livros de Revoluções do século 20, no final do mês terminarei com uma série interminável de cartas e livros que, apesar de seu conteúdo religioso, procuram entender o mundo. Assim como as Revoluções do século 20 partiam de uma análise da situação para criar as mudanças, as encíclicas Paz na Terra de João XXIII e Caminho da Igreja de Paulo VI tentam fazer esta análise situacional da humanidade no seu tempo. Tempo este que é intrigante já que produziu tanto as Revoluções como a própria Revolução da Igreja que é acusada de ser a reação a qualquer Revolução.

Assim, ao ler ambas encíclicas, além de documentos falando do modus operandis da Igreja num mundo que lhe é estranho; ambas oferecem ao mundo um caminho para resolver as contradições deste mundo que geraram os conflitos destes tempos revolucionários. Afinal, a consciência civil nos anos 60 modificou toda a sociedade ocidental onde a Igreja estava apoiada, sociedade esta, que por sua vez foi intimamente influenciada pela Igreja desde seu tempo medieval.

Desta forma, os dois papas “revolucionários” propunham que somente no exame de consciência de sua ação como Igreja e como humano, poderiam encontrar a tolerância que seria produtora da paz. Então olhando para o outro como portador dos mesmos direitos e deveres, seria possível a construção da Paz Mundial. Parece-me um pouco ingênuo pensar que a construção da Paz Mundial partiria de uma iniciativa individual. No entanto, a individualidade é o maior tesouro ocidental, e se essa individualidade ocidental causara o desequilíbrio do mundo quando se afirmava contra a sociedade constituída produzindo um choque geracional até hoje pouco explicado na sua busca do impossível como o maio de 1968; esta própria individualidade, ao reconhecer a individualidade alheia poderia trazer de volta um mundo de tolerância, que por cadeia, através das associações entre os homens, dos países e dos dois blocos que existiam no mundo de então (três, se contarmos os países subdesenvolvidos que ajudarão na transformação da Igreja), poderia conduzir à um mundo de tolerância e paz.

O Papa Paulo VI, no entanto, na encíclica caminho da Igreja, talvez tenha sido mais incisivo ao mostrar a Igreja como um caminho para a “questão” dos anos 60. Propunha que a Igreja se interiorizasse tomando consciência de seu papel de Igreja e dos mistérios que ela portava, para num segundo momento olhar-se e ver seus desvios, considerando que nunca seria perfeita como Cristo, mas que na fé deste deveria se transformar e propunha que ao vivenciar o mundo (tudo que é fora da Igreja), ela dialogasse com ele, mantendo-se firme em princípios “cristãos”, que numa extrapolação minha, seriam os próprios princípios do Ocidente. Esse diálogo se basearia na tolerância, no conhecimento e na fraternidade, mas não poderia nunca fugir de princípios bem estabelecidos verificados na primeira ação, a da consciência, a do exame de consciência. Somente sobre estes princípios que o diálogo com o mundo (sem ser mundo) poderia ser estruturado, sendo a Igreja uma fonte de mistérios de fé que poderiam infundir não só no ocidente, como no mundo todo a tolerância e o respeito aos direitos do indivíduo.

Sem entrar no mérito dos mistérios o fato é que ambas encíclicas buscavam dentro da Igreja possíveis caminhos para uma sociedade de tolerância e diálogo.

Porém, ao olhar a proposta de Igreja de Paulo VI, não tem como não notar como esse processo, interiorização, tomada de consciência e diálogo é o mesmo processo que nós passamos por nossa vida (seja ela com os mistérios da Igreja ou não). Talvez seja a forma ocidental de tornar-nos adultos. Afinal, num primeiro momento precisamos desta individualização a fim de nos conhecer, e conhecer nosso potencial. No nosso contato com o mundo verificamos nossa imperfeição, nossas falhas, saímos do mundo ideal da individualização. Estas imperfeições serão absorvidas, interiorizadas, ou até gerarão nossos traumas e neuroses. E na vivência do mundo, no contato do outro, nas nossas relações, teremos que nos confrontar a todo instante com o nosso “eu” e as nossas imperfeições.

Acho que desagradei a teólogos, psicólogos e sociólogos com o que escrevi. No entanto, vejo e reforço como a Igreja imprimiu no Ocidente a questão da individualidade, e nós, ocidentais, na nossa individualidade, passamos por processos semelhantes ao da experiência mística da Igreja, que mesmo para aqueles que não acreditam nos mistérios da fé, passam por situações iguais. No final, até acredito que a Igreja, se não pôde dar a resposta para uma sociedade menos brutal, teve ferramentas e as utilizou para isso.

sábado, junho 20, 2009

Rua Piauí


é lá onde eu moro,

que eu me sinto bem!

(risos)

Perguntaram no meu trabalho qual era o meu grande sonho e eu simplesmente não soube responder. Entrei em crise, afinal o que é um homem sem um sonho? Pois bem, hoje andando pela cidade tive a certeza que meu sonho, que eu tinha vergonha de contar, que poderia parecer pedante, estava mais claro e mais vivo do que imaginava: quero morar na Rua Piauí!

Higienópolis é meu ideal de cidade. Prédios, consultórios, parques, avenidas com semáforos sincronizados para o pedestre, calçadas largas e bem arrumadas, árvores podadas e prédios modernistas. Se morasse em Higienópolis provavelmente sairia pouco de lá. Quando o metrô chegar ali, adeus meus sonhos motorizados. Serei um pedestre convicto e dono de um dálmata que passearia feliz pela Praça Buenos Aires.

Mais que um bairro, Higienópolis é um projeto político, modernizador, arrojado, tal qual o Edifício Louveira. E aí a Rua Piauí é fantástica, ela liga este projeto político da Praça Vilaboin ao projeto de vida da Praça Buenos Aires.
Mas e o dinheiro? Não me perguntaram qual era o sonho? Eis o sonho! A exeqüibilidade nunca é sonhada!

Apenas o Fim

E a classe média vai ao paraíso...

Assisti a Apenas o Fim e saí com a sensação de que não participei da festa. Me negaram um convite, talvez não seja tão dourado quanto àquela juventude, nem tão cult para entender as referências musicais e culturais. Num dos poucos filmes brasileiros urbanos, eu não estava lá. Rompeu-se o mito da classe média, classe média são os outros, são eles! Não conhecia as bandas que eles falavam, nunca estive acostumado com seu humor neurótico nem tampouco com o paradigma de amor de que tratavam.

Estava out, não era hype o suficiente para compreender a profundidade do universo cult do Baixo Gávea. A grande crise foi perceber que os que os personagens eram, foi o que um dia eu quis ser. Até um certo ponto fiquei feliz em ter fracassado nesta missão. Afinal transfigurações são experiências místicas não sociais.

Não estou tirando o mérito do filme, acho que da mesma maneira que a Zona Sul carioca assitiu à Linha de Passe tateando o diferente, a Zona Leste paulistana que verá Apenas o Fim poderá sentir ao vê-lo as diferenças gritantes no modus vivendi destes personagens. Pode soar um pouco preconceituoso, principalmente para meu único leitor, mas a diferenciação de classe neste filme ultrapassa o tema universal e principal do filme que é o fim do relacionamento.

Embora pareça que esteja criticando, é um filme que deve ser visto. É um filme diferente desta onda de comédias de massa com ritmo de novela, tem seu charme, busca o novo. Pena que esta vanguarda talvez só pôde ser absorvida em parte por mim pelo meu total estranhamento com o mundo dos personagens.

A cereja do bolo porém é saber que entre os cults e os descolados deste mundo (e do mundo do filme) há aqueles que trocariam todos os filmes do Godard por um filme dos Transformers! Foi o grande momento de interseção entre mim, o filme e a platéia do Espaço Unibanco!

Sem querer criar um bairrismo desnecessário, mas imagino a glória de assistir este filme no Espaço Unibanco Botafogo!

quarta-feira, junho 10, 2009

Revoluções do Século 20

Estou viciando na coleção Revoluções do Século 20 (gravado assim mesmo, em arábico!) da Editora da Unesp. São pequenos livrinhos contando a história de revoluções nos mais diferentes lugares do mundo. Acabei lendo três nos últimos três meses, a Revolução Iraniana, a Guatemalteca e agora a Alemã. Bem, existem os livrinhos das clássicas como a Russa, a Cubana, a Chinesa, mas talvez o inusitado das não-clássicas que me atraem tanto para estes livros.

O conceito de revolução em si já é um conceito bem complexo, afinal, ele foi totalmente apropriado numa perspectiva marxista de luta de classes e também traz em seu bojo o conceito de nação. Há muito tempo atrás li “O que é Revolução?” de Florestan Fernandes e ele ressaltava muito estes dois aspectos. Os livros também ressaltam e também apresentam estas revoluções não como um “raio que caiu num dia de sol” assim como Marx fez no 18 Brumário de Luis Bonaparte. Exatamente esta análise à la 18 Brumário que dá toda a graça dos livros. Afinal, ao descrever a sociedade guatemalteca, iraniana e alemã para poder mostrar o conflito que gerou a revolução, encontramos sociedades totalmente diferentes, onde existia o elemento capitalista, mas principalmente a singularidade local. O que em si, dificultaria a criação objetiva de um conceito de Revolução.

Além disso, é engraçado notar como este conceito, talvez aí resultado direto da vitória de uma historiografia marxista cujo 18 Brumário é paradigmático, ganha o sublime, a aura da justiça, principalmente porque traz consigo também o conceito de povo. E mesmo nas sociedades que deveriam ser revolucionadas pelos teóricos da Revolução, estes dois conceitos ganharam ideologias diversas e são apropriados até por contra-revolucionários. Não é à toa que existe toda uma discussão sobre a “Revolução de 64” ou a “Revolução Libertadora” que derrubou Perón, e também não achamos estranhos colocarmos o adjetivo de revolucionário à ascensão de Reagan e Thatcher nos anos 80. Também não podemos esquecer que na queda do socialismo real no final dos 80, a “libertação” dos países do regime comunista foi considerada Revolução, como a Revolução de Veludo. No entanto nenhuma destas revoluções poderiam ser tratadas na coleção Revoluções do Século 20, já que não trouxeram (ou tentaram trazer) consigo o socialismo, embora o conflito de classes permeiem, as retratadas e as não retratadas.

A contradição é notar que a revolução iraniana influenciou a ascensão de Reagan, e que talvez a diferença entre o Xá e Khomeini fosse tão grande quanto a diferença entre Reagan e Carter (embora no livro da guatemalteca o autor coloca uma pequena sombra na minha admiração ao Carter).

Talvez o conceito que engendre todas estas revoluções seja o conceito de crise, afinal é ele que provoca o lugar comum de todos estes acontecimentos maravilhosos; afinal uma revolução (à direita ou à esquerda) é um desprendimento brutal de energia humana. E mesmo com a toda a tecnologia diferente, com a “democracia” bem consolidada, ainda Revoluções (talvez já fora do sentido que Marx deu a elas) aconteçam ainda no nosso mundo. Afinal, quando um Evo Morales assume o poder na Bolívia, não podemos deixar de colocar o quão revolucionário isso é, bem como a volta de um Berlusconi.