sábado, junho 27, 2009

Um caminho para a paz

Escolher o título do que pretendo escrever talvez seja mais difícil do que o que vou escrever. Assim como no começo do mês escrevi sobre uma série de livros de Revoluções do século 20, no final do mês terminarei com uma série interminável de cartas e livros que, apesar de seu conteúdo religioso, procuram entender o mundo. Assim como as Revoluções do século 20 partiam de uma análise da situação para criar as mudanças, as encíclicas Paz na Terra de João XXIII e Caminho da Igreja de Paulo VI tentam fazer esta análise situacional da humanidade no seu tempo. Tempo este que é intrigante já que produziu tanto as Revoluções como a própria Revolução da Igreja que é acusada de ser a reação a qualquer Revolução.

Assim, ao ler ambas encíclicas, além de documentos falando do modus operandis da Igreja num mundo que lhe é estranho; ambas oferecem ao mundo um caminho para resolver as contradições deste mundo que geraram os conflitos destes tempos revolucionários. Afinal, a consciência civil nos anos 60 modificou toda a sociedade ocidental onde a Igreja estava apoiada, sociedade esta, que por sua vez foi intimamente influenciada pela Igreja desde seu tempo medieval.

Desta forma, os dois papas “revolucionários” propunham que somente no exame de consciência de sua ação como Igreja e como humano, poderiam encontrar a tolerância que seria produtora da paz. Então olhando para o outro como portador dos mesmos direitos e deveres, seria possível a construção da Paz Mundial. Parece-me um pouco ingênuo pensar que a construção da Paz Mundial partiria de uma iniciativa individual. No entanto, a individualidade é o maior tesouro ocidental, e se essa individualidade ocidental causara o desequilíbrio do mundo quando se afirmava contra a sociedade constituída produzindo um choque geracional até hoje pouco explicado na sua busca do impossível como o maio de 1968; esta própria individualidade, ao reconhecer a individualidade alheia poderia trazer de volta um mundo de tolerância, que por cadeia, através das associações entre os homens, dos países e dos dois blocos que existiam no mundo de então (três, se contarmos os países subdesenvolvidos que ajudarão na transformação da Igreja), poderia conduzir à um mundo de tolerância e paz.

O Papa Paulo VI, no entanto, na encíclica caminho da Igreja, talvez tenha sido mais incisivo ao mostrar a Igreja como um caminho para a “questão” dos anos 60. Propunha que a Igreja se interiorizasse tomando consciência de seu papel de Igreja e dos mistérios que ela portava, para num segundo momento olhar-se e ver seus desvios, considerando que nunca seria perfeita como Cristo, mas que na fé deste deveria se transformar e propunha que ao vivenciar o mundo (tudo que é fora da Igreja), ela dialogasse com ele, mantendo-se firme em princípios “cristãos”, que numa extrapolação minha, seriam os próprios princípios do Ocidente. Esse diálogo se basearia na tolerância, no conhecimento e na fraternidade, mas não poderia nunca fugir de princípios bem estabelecidos verificados na primeira ação, a da consciência, a do exame de consciência. Somente sobre estes princípios que o diálogo com o mundo (sem ser mundo) poderia ser estruturado, sendo a Igreja uma fonte de mistérios de fé que poderiam infundir não só no ocidente, como no mundo todo a tolerância e o respeito aos direitos do indivíduo.

Sem entrar no mérito dos mistérios o fato é que ambas encíclicas buscavam dentro da Igreja possíveis caminhos para uma sociedade de tolerância e diálogo.

Porém, ao olhar a proposta de Igreja de Paulo VI, não tem como não notar como esse processo, interiorização, tomada de consciência e diálogo é o mesmo processo que nós passamos por nossa vida (seja ela com os mistérios da Igreja ou não). Talvez seja a forma ocidental de tornar-nos adultos. Afinal, num primeiro momento precisamos desta individualização a fim de nos conhecer, e conhecer nosso potencial. No nosso contato com o mundo verificamos nossa imperfeição, nossas falhas, saímos do mundo ideal da individualização. Estas imperfeições serão absorvidas, interiorizadas, ou até gerarão nossos traumas e neuroses. E na vivência do mundo, no contato do outro, nas nossas relações, teremos que nos confrontar a todo instante com o nosso “eu” e as nossas imperfeições.

Acho que desagradei a teólogos, psicólogos e sociólogos com o que escrevi. No entanto, vejo e reforço como a Igreja imprimiu no Ocidente a questão da individualidade, e nós, ocidentais, na nossa individualidade, passamos por processos semelhantes ao da experiência mística da Igreja, que mesmo para aqueles que não acreditam nos mistérios da fé, passam por situações iguais. No final, até acredito que a Igreja, se não pôde dar a resposta para uma sociedade menos brutal, teve ferramentas e as utilizou para isso.

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