Quando Chirac disputou sua reeleição à presidência francesa, pôs como uma de suas cinco metas a redução do número de acidentes de carro. Não me lembro das outras quatro, mas o fato que uma das metas fosse a redução do número de acidentes de carro me causou um impacto impressionante. Era a política chegando ao dia-a-dia das pessoas.
Num primeiro momento pode parecer que uma meta como a redução do número de acidentes de carro seja uma meta simplista e pequeno-burguesa, no entanto, sua efetivação produz transformações imensas em toda a sociedade, desde a criação de carros mais seguros até uma nova política de educação no trânsito. Implica na sociedade aceitar seu alto grau de motorização, provoca reflexões sobre os aspectos ambientais disso tudo. O mais interessante é que o todo o processo começa numa coisa corriqueira, muito mais assimilável que superávit primário ou responsabilidade social, e por ser corriqueira pode abranger um número bem maior de pessoas que convivem com este problema. Provoca discussão na sociedade que empenhada acompanha como seus representantes se portaram perante esta discussão.
A lei antifumo é um destes casos que merecem ser analisados sob essa ótica. Além de ser um assunto mobilizador, é alvo de lobbies fortíssimos, seja da associação de bares, seja da indústria do fumo. Provoca uma discussão acalorada sobre o peso do tabagismo na saúde pública e suas implicações orçamentárias, mas também abre um espaço fantástico para se discutir a liberdade individual que é pilar da democracia. Não é uma simples lei, a partir dela, essa tênue linha entre a saúde pública e a liberdade individual começará a ser traçada. A própria discussão da lei é um exercício fantástico de democracia.
Não foi à toa que comparei Chirac e o Serra. Acho que ambos representam um movimento onde a ação nasce não de vanguardas e construções políticas idealizadas, mas sim de uma relação entre Estado e sociedade que se media pela política. É muito claro, pelo menos para mim, que somente pela política e pelo envolvimento da sociedade na política que se poderão conduzir as demandas difusas da sociedade moderna.
Apóio a lei, e acho que deveríamos discutir mais leis deste tipo.
Um comentário:
Em primeiro lugar, concordo plenamente com a afirmação: "(...)somente pela política e pelo envolvimento da sociedade na política que se poderão conduzir as demandas difusas da sociedade moderna." Infelizmente, muitas pessoas batem no peito e dizem não gostar de política. E enquanto essas pessoas não notarem que em tudo há política, nada vai pra frente. O prato que comemos tem influências políticas, seja o preço do feijão ou do arroz; a casa que moramos tem influência política, afinal, pagamos IPTU, estamos inseridos em um bairro que deve contar com o mínimo de segurança...e assim po diante. Quanto a lei antitabagismo, acho perfeitamente discutível e, como você disse, uma oportunidade fantástica para exercermos a cidadania. A meu ver, a lei acaba sim interferindo nos direitos individuais dos cidadãos. Creio que dá para mediar o atrito FUMANTES x NÃO FUMANTES sem tamanha radicalidade. 'Fumódromos' eram boas opções, mas agora foram banidos. Área para fumantes. Não vejo mal nisso. Em se tratando de saúde pública, com certeza pode, e deve, ser um avanço. A questão é o preço que se pagará para esse avanço. Não estou falando de preço em reais, mas em direitos individuais.
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