Sempre foi uma mulher católica. Desde os tempos da Campanha Gaúcha até ser esposa de fazendeiro em Rondônia. Já teve recaídas, um tarô, uns búzios, em sua juventude quando tivera mais dúvidas. Hoje, com a idade, tinha mais certezas que dúvidas. Mesmo porque Vilhena não era um lugar que lhe permitia ter tantas dúvidas assim, e suas certezas aumentavam sua fé.
Quando se casou e logo depois migrou, imaginou que poderia dar aos filhos uma vida diferente da que teve. Rondônia era uma terra de oportunidades e seu marido soube aproveitá-las. Orgulhava-se de ter feito sua América, mesmo que esta América fosse tão pequenina como sua São Gabriel natal, ali havia oportunidades, pelo menos para seus filhos. E o que não é um casamento do que poder proporcionar aos filhos o melhor dos mundos? Sentia-se realizada por ser uma mãe que podia dar-se ao luxo de prover o sonho dos seus filhos.
Cláudia nasceu na fase próspera, a menina estudiosa era o orgulho da mãe. Com a mãe aprendera a gostar de ler, o que em Vilhena era a descoberta do mundo. Decidiu ser advogada e para orgulho de toda cidade veio fazer Direito no Largo São Francisco. Faculdade que já havia formado cinco presidentes, segundo lhe contaram.
Para ajudar na adaptação da filha, veio a São Paulo. Procurar apartamento, deixá-lo habitável, permitir que Cláudia conseguisse se sentir em casa e disfarçar seu espanto pela cidade que a envolvia. Maravilhava-se ao observar o trânsito, alguns prédios imponentes; até a decadência lhe parecia bonita, estava num lugar com uma história que era maior que ela, não onde ela fizera a história.
A imagem da faculdade de Direito foi encantadora. Junto à filha conheceu a sala de defesas, majestosa, lembrou-se dos livros que lera no colegial, da glória de se estudar Direito em São Paulo. A faculdade era um ponto que sobrevivia a decadência do lugar, era um lugar que a história não havia abandonado e isso a impressionava.
Domingo é dia de missa. Não importa onde você esteja, é dia de missa. Lembrou-se da Igreja de São Francisco ao lado da faculdade, e com sua roupa de missa foi até lá, Cláudia tinha saído com suas novas amigas e decidiu que enfrentaria a cidade sozinha. Informaram-na o horário errado, e ela acabou chegando muito cedo. Sorte. Pôde ver toda a Igreja, se sentia numa igreja barroca mineira. Anjos, santos com olhares penetrantes, uma Nossa Senhora das Dores tão linda e dolorida como jamais vira. Ajoelhou-se e rezou. Andou pela Igreja e percebeu que o número de mendigos que dormiam sob as arcadas era muito grande, assustou-se e voltou à Igreja, era quase a hora da missa e nunca tinha visto tão poucas pessoas numa celebração.
Sentou-se incomodada num banco vazio, estava inconformada de ter feito esta opção. Aquele domingo não era um domingo bonito, mas deveria ter ficado em casa, ou ido a uma Igreja num lugar menos decadente. Sentiu-se caipira por ter ido a missa e por ter medo dos mendigos.
Um frei bem simples entrou na Igreja sob o canto solitário de um ajudante. A missa começou e de repente, com a chuva fina que caiu sobre a cidade, a Igreja, como por um milagre, começou a encher. Antes do ato penitencial já estava tomada pelos mendigos das arcadas. Alguns rezavam junto com o frei, outros conversavam, alguns embriagados diziam palavras que ela não conseguia entender. Vieram as leituras e tentava se concentrar nas leituras, mas tinha medo, medo inconsciente, medo do desconhecido, da enrascada que se metera.
A homilia foi sobre a recusa de Tomé em acreditar na ressurreição sem ver as chagas de Cristo, o frei insistiu que bem-aventurados aqueles que creram sem ter visto, e pediu para que todos meditassem sobre o tamanho de sua fé. Perguntou até onde sua fé seria capaz de os levar. Veridiana não conseguia tirar o olhar de um mendigo com um colete militar que, embriagado, soltava palavras como respondendo ao frei. Quando o padre disse que a fé é a vacina do medo, sentiu-se sem fé, estava amedrontada.
No ofertório sentiu-se constrangida ao entregar seus dez reais habituais à Igreja enquanto a multidão de mendigos fazia comentários sobre a coleta. “Receba o Senhor por suas mãos este sacrifício, para a glória do Seu nome, para o nosso bem e de toda santa Igreja”. Teve vergonha em dizer esta frase que sempre lhe saiu automática. Afinal, qual era seu sacrifício? Estar junto aos mendigos? Mas essa era uma obrigação e não um sacrifício. Durante a consagração, o bêbado de colete militar comentou sarcástico que agora sim todos eram irmãos.
O canto de comunhão era um dos mais bonitos que já ouvira, já o havia cantado no coro da sua Igreja, e, no entanto, cantado pelo ajudante parecia uma ladainha de procissão. Falava sobre a vinda gloriosa e a ressurreição dos que creram. Na comunhão, partilhou a fila e a hóstia com os mendigos que agora lhe pareciam como parte integrante da Igreja. No abraço da paz, desejou-lhes a paz de Cristo e deu-lhes a mão, automaticamente.
Quando se casou e logo depois migrou, imaginou que poderia dar aos filhos uma vida diferente da que teve. Rondônia era uma terra de oportunidades e seu marido soube aproveitá-las. Orgulhava-se de ter feito sua América, mesmo que esta América fosse tão pequenina como sua São Gabriel natal, ali havia oportunidades, pelo menos para seus filhos. E o que não é um casamento do que poder proporcionar aos filhos o melhor dos mundos? Sentia-se realizada por ser uma mãe que podia dar-se ao luxo de prover o sonho dos seus filhos.
Cláudia nasceu na fase próspera, a menina estudiosa era o orgulho da mãe. Com a mãe aprendera a gostar de ler, o que em Vilhena era a descoberta do mundo. Decidiu ser advogada e para orgulho de toda cidade veio fazer Direito no Largo São Francisco. Faculdade que já havia formado cinco presidentes, segundo lhe contaram.
Para ajudar na adaptação da filha, veio a São Paulo. Procurar apartamento, deixá-lo habitável, permitir que Cláudia conseguisse se sentir em casa e disfarçar seu espanto pela cidade que a envolvia. Maravilhava-se ao observar o trânsito, alguns prédios imponentes; até a decadência lhe parecia bonita, estava num lugar com uma história que era maior que ela, não onde ela fizera a história.
A imagem da faculdade de Direito foi encantadora. Junto à filha conheceu a sala de defesas, majestosa, lembrou-se dos livros que lera no colegial, da glória de se estudar Direito em São Paulo. A faculdade era um ponto que sobrevivia a decadência do lugar, era um lugar que a história não havia abandonado e isso a impressionava.
Domingo é dia de missa. Não importa onde você esteja, é dia de missa. Lembrou-se da Igreja de São Francisco ao lado da faculdade, e com sua roupa de missa foi até lá, Cláudia tinha saído com suas novas amigas e decidiu que enfrentaria a cidade sozinha. Informaram-na o horário errado, e ela acabou chegando muito cedo. Sorte. Pôde ver toda a Igreja, se sentia numa igreja barroca mineira. Anjos, santos com olhares penetrantes, uma Nossa Senhora das Dores tão linda e dolorida como jamais vira. Ajoelhou-se e rezou. Andou pela Igreja e percebeu que o número de mendigos que dormiam sob as arcadas era muito grande, assustou-se e voltou à Igreja, era quase a hora da missa e nunca tinha visto tão poucas pessoas numa celebração.
Sentou-se incomodada num banco vazio, estava inconformada de ter feito esta opção. Aquele domingo não era um domingo bonito, mas deveria ter ficado em casa, ou ido a uma Igreja num lugar menos decadente. Sentiu-se caipira por ter ido a missa e por ter medo dos mendigos.
Um frei bem simples entrou na Igreja sob o canto solitário de um ajudante. A missa começou e de repente, com a chuva fina que caiu sobre a cidade, a Igreja, como por um milagre, começou a encher. Antes do ato penitencial já estava tomada pelos mendigos das arcadas. Alguns rezavam junto com o frei, outros conversavam, alguns embriagados diziam palavras que ela não conseguia entender. Vieram as leituras e tentava se concentrar nas leituras, mas tinha medo, medo inconsciente, medo do desconhecido, da enrascada que se metera.
A homilia foi sobre a recusa de Tomé em acreditar na ressurreição sem ver as chagas de Cristo, o frei insistiu que bem-aventurados aqueles que creram sem ter visto, e pediu para que todos meditassem sobre o tamanho de sua fé. Perguntou até onde sua fé seria capaz de os levar. Veridiana não conseguia tirar o olhar de um mendigo com um colete militar que, embriagado, soltava palavras como respondendo ao frei. Quando o padre disse que a fé é a vacina do medo, sentiu-se sem fé, estava amedrontada.
No ofertório sentiu-se constrangida ao entregar seus dez reais habituais à Igreja enquanto a multidão de mendigos fazia comentários sobre a coleta. “Receba o Senhor por suas mãos este sacrifício, para a glória do Seu nome, para o nosso bem e de toda santa Igreja”. Teve vergonha em dizer esta frase que sempre lhe saiu automática. Afinal, qual era seu sacrifício? Estar junto aos mendigos? Mas essa era uma obrigação e não um sacrifício. Durante a consagração, o bêbado de colete militar comentou sarcástico que agora sim todos eram irmãos.
O canto de comunhão era um dos mais bonitos que já ouvira, já o havia cantado no coro da sua Igreja, e, no entanto, cantado pelo ajudante parecia uma ladainha de procissão. Falava sobre a vinda gloriosa e a ressurreição dos que creram. Na comunhão, partilhou a fila e a hóstia com os mendigos que agora lhe pareciam como parte integrante da Igreja. No abraço da paz, desejou-lhes a paz de Cristo e deu-lhes a mão, automaticamente.
Quando a missa acabou, pôs a bolsa embaixo do braço e atravessou o campo de refugiados com que se assemelhava o Largo de São Francisco, por sorte havia um ponto de táxi na praça e logo conseguiu um carro. Dizia a si mesma que jamais voltaria àquela Igreja. Mas sua fé era incapaz de levá-la a uma igreja como aquela? Quando o táxi parou num sinal fechado, um menino de rua conseguiu abrir a porta do carro e levar sua bolsa. Seu medo se concretizou. Como era fácil ser católica em Vilhena!
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