Fazer a opção pelos pobres exige um exercício de olhar, e conseguir encontrar esse pobre que a gente tenta buscar. A pobreza pode marginalizar tanto, que se torna impossível perceber o marginalizado, ele se reificou, se tornou coisa nas calçadas e nas ruas da cidade. Sua presença só se torna visível no grito, no grotesco, como que somente pelo absurdo pudéssemos notá-los.
O termo pobre, assim como termo elite, é tão amplo e subjetivo, que acaba por nos confundir, talvez esta questão até seja dicotômica e simples desse jeito, mas as nuances do pobre e da elite, acaba por marginalizar mais uma parte do “pobre” e esconder muito mais o que é “elite”.
Afinal, um trabalhador, um operário, um desempregado pobre, é pobre, mas está dentro do nosso sistema. Possui valor definido, podemos até ter preconceito de classe, mas a todos ocorre uma solução para o problema desta pobreza. É um pobre dentro do sistema, que compartilha os mesmos valores, as mesmas ambições e o mesmo desejo de consumo.
Aí que chego onde a opção pelos pobres se torna mais difícil, quando estamos falando de pessoas tão marginalizadas, cujos valores não são por nós reconhecidos, são estranhos dentro do nosso corpo social, acabam se passando por coisas, porque nos incomoda tentar entendê-los. Transformamos eles em coisas, porque não podemos entender como se transformaram como tal. Estou me referindo aos mendigos que dormem pelas ruas e calçadas desta cidade.
Para mim é tão difícil pensar em uma solução para eles simplesmente porque praticamente não compartilhamos o mesmo mundo; porém, como morador da subprefeitura da Sé, é impossível passar incólume por eles, mesmo que não entendamos sua lógica, sua opção (ou falta dela).
Sua própria existência põe em xeque todo um sistema de valores no qual acreditamos e sua marginalização nos mostra que existe um outro conjunto que também é a nossa sociedade. Se num primeiro momento, o absurdo nos assusta e se transforma num caso de polícia. Numa segunda reflexão, vemos que esta questão é uma questão crucial em vários pontos do nosso olhar para o mundo. Por quê sociologicamente eles se retiraram do “jogo”? Por quê psicologicamente eles não compartilham dos mesmos valores?
Penso que até a forma como ocupamos esta cidade pode ser causa da existência do mendigo. Como morador de uma subprefeitura onde esse problema grita e nos pede pelo menos uma explicação, me sinto somente confuso e tento imaginar teorias mil para que a opção pelos pobres possa alcançá-los também. Ou que eles se deixem alcançar por ela.
3 comentários:
Acho que uma saída viável é superar o conceito de opção pelos pobres, substituindo-o pela opção por combater as desigualdades de oportunidade, de acesso a uma vida digna, fazendo isso com as armas que você tiver à mão...
Ok, existe todo o catolicismo embutido no opção pelos pobres, mas onde a desigualdade de oportunidades entra na vida do mendigo?
A lógica do mendigo é diferente da do desempregado, do operário pobre. Ele se retirou do "jogo". A bolsa família não o alcança, ele é mais marginalizado que os marginalizados da Bolsa Família. Isso que torna esse problema totalmente sui generis
Ele se retirou mesmo ou somos nós que o olhamos como alguém que se excluiu do jogo? Pense bem sobre isso... Para ajudar, um pouco de Brecht:
E assim, na lei do preceito divino vão girando
Em torno dos de cima os inferiores
Em torno dos da frente os posteriores
Assim na Terra como no Céu.
E em torno do papa circulam os cardeais,
E em torno dos bispos circulam os secretários,
E em torno dos secretários circulam os funcionários,
E em torno dos funcionários circulam os artesãos,
E em torno dos artesãos circulam os servos,
E em torno dos servos circulam os cães, os frangos e os mendigos.
Esta, minha gente, é a grande ordem, ‘ordo ordinum’, como dizem os senhores teólogos, ‘regula aeternis’, a regra das regras, mas o que é, meu bom povo, que veio depois?
Postar um comentário